Escrevo pra me entender e pra entender o mundo. Escrevo o que me dá na telha, o que me dói e o que me faz feliz.
Friday, August 18, 2006
Lembranças de outro mundo
Baseado em matéria publicada no Jornal "O Globo" do dia 15/08/06.
Foi difícil não lembrar dos meus dias na praia, com meus pais e minhas irmãs, enquanto lia o jornal esta manhã. Difícil não me lembrar da ansiedade nos dias que antecediam a viagem anual a Ilhéus, do meu biquíni amarelo com peixes coloridos, dos meus braços abertos rodopiando na longa faixa de areia até ficar tonta.
Ao ler o jornal esta manhã, de repente me dei conta que o mundo havia mudado ao meu redor. O mundo que eu conhecia, de crianças que viajavam com os pais para uma praia famosa, excitados pela possibilidade de nadar nas águas quentes do mar, este mundo só existe agora em minhas lembranças.
As minhas lembranças se misturam às lembranças do jovem assassinado ontem, na praia de Copacabana, enquanto sua mãe se banhava no mar e seu pai caminhava pela praia. Quantos planos ele teria feito para aquela viagem, durante quantas noites sonhou com as garotas bronzeadas sob o sol do Brasil, feliz com a vida que tinha, ainda que aos dezenove anos...
Uma das grandes alegrias da viagem, que compensava até a tristeza pelo fim das férias, era a volta. Com a pele bronzeada exibida como um troféu, contávamos todas as nossas aventuras. Até onde tínhamos conseguido nadar, as noites sob a lua correndo pela praia enquanto os adultos pescavam, os namoricos da Rose, a mais velha entre nós, levávamos dias até que as histórias acabassem.
Penso na volta dos pais pra casa, sem histórias, sem peixes pescados, apenas com a certeza de que o mundo que eles sonharam para o filho já não existe. O mundo colorido que tinham visto em fotos na agência de viagens havia desaparecido, junto com o sorriso do seu filho sob o sol de Copacabana.
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2 comments:
Liu, essa é uma história que, da forma em que você narrou, talvez esteja contida em todos nós.
A maldição da incerteza, a fragilidade da vida, o descaso pelo outro, esses fantasmas que estão assombrando os nossos dias, às vezes nos deixam com medo de viver.
A gente até busca uma força para não ver, não sentir, tenta não se envolver para que os absurdos não nos fragilize ainda mais. Nem sempre isso é possível e nessa monstruosidade ocorrida com o turista português em Copacabana, conseguimos perceber o quanto a idiotização política e social do Brasil, catalizada por essa massa putrefata de políticos, vem nos prejudiando e destruindo nossos valores humanos.
Parabéns pelo seu texto. Tenho certeza de que todas as pessoas que um dia saíram de férias com seus pais, para alguns dias de sol e azul em alguma praia qualquer, estão agora com os olhos molhados de emoção.
Um beijo carinhoso.
Kinho Vaz
Oi Liu,
Legal seu blog. Vou acrescentar nos meus favoritos!!!
Bjs
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